Nós, da CONCP, queremos que nos nossos países martirizados durante séculos, humilhados, insultados, nunca possa reinar o insulto, e que nunca mais os nossos povos sejam explorados, não só pelos imperialistas, não só pelos europeus, não só pelas pessoas de pele branca, porque não confundimos a exploração ou os factores de exploração com a cor da pele dos homens; não queremos mais a exploração no nosso país, mesmo feita por negros. Lutamos para construir, nos nossos países, em Angola, em Moçambique, na Guiné, nas Ilhas de Cabo Verde, em S. Tomé, uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, onde a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou para a felicidade dos homens. É para isso que lutamos. Se não o conseguirmos, teremos faltado aos nossos deveres, não atingiremos o objectivo da nossa luta”. AMILCAR CABRAL

sexta-feira, 6 de maio de 2011

MATAR BIN LADEN, RESSUSCITAR AL-QAEDA

BIN LADEN

Uma das grandes surpresas que os levantamentos populares no mundo árabe suscitaram foi terem deixado momentaneamente fora de jogo todas as forças islamistas e muito em particular, está claro, a mais suspeita e extremista – a Al-Qaeda -, marca comercial de conteúdo obscuro largamente instrumentalizada para apoiar ditadores, reprimir todo o tipo de dissidência e desviar as atenções dos verdadeiros campos de batalha. Com orientações de amplo espectro, como a aspirina, Bin Laden reaparecia de cada que era necessário reacender a “guerra contra o terrorismo”; e era mantido vivo para agitar o seu espantalho em disputas eleitorais ou para justificar leis de excepção. Desta vez a situação era demasiado grave para que não fosse utilizado por uma derradeira vez, numa orgia mediática que chega a eclipsar o casamento do príncipe Guilherme e produz repercussões muito inquietantes no mundo inteiro.

Quando parecia relegada ao esquecimento, definitivamente arrumada pelos próprios povos que se supunha apoiá-la, a Al-Quaeda reaparece. Em nome dessa sigla um grupo desconhecido assassina Arrigoni na Palestina; dias depois, em plena efervescência dos protestos anti-monárquicos em Marrocos, explode uma bomba na praça Yama el Fna de Marraquexe; agora reaparece Bin Laden, já não vivo e ameaçador, mas em toda a glória de um martírio planeado, estudado, cuidadosamente encenado, um pouco inverosímil. “Fez-se justiça”, diz Obama, mas a justiça reclama tribunais e juízes, procedimentos judiciais, uma sentença independente. George Bush foi mais sincero: “É a vingança dos EUA”, disse. “É a vingança da democracia”, e milhares de democratas estado-unidenses sapateiam de alegria em frente à Casa Branca, pulando com bárbara euforia sobre caveiras e tíbias. Mas democracia e vingança são tão incompatíveis como a pedagogia e o infanticídio, como o alfabeto e o solipsismo, como o xadrez e os jogos de azar. Os EUA apreciam os linchamentos, sobretudo em vista aérea, porque sabem que o seu poder é superior ao dos princípios. “O mundo sente alívio”, afirma Obama, mas ao mesmo tempo alerta para “ataques violentos em todo o mundo após a morte de Bin Laden”. Alerta? Avisa? Promete? Que alívio pode produzir um assassínio que – é dito em simultâneo – põe em perigo aqueles mesmos que presumivelmente pretende salvar?

A ocasião era esta. A Al-Qaeda volta a dominar o palco; A Al-Qaeda volta a saturar o imaginário ocidental. Ao mesmo tempo que o alegado cadáver de Bin Laden é lançado ao mar, o fantasma de Bin Laden apodera-se de todas as lutas e de todos os desejos de justiça. Cumprir-se-à a previsão de Obama: haverá ataques violentos em todo o lado e o mundo árabe-muçulmano voltará a ser um alvoroço de fanatismos e decapitações, queiram ou não queiram as suas populações. Entre democracia e barbárie os EUA não hesitam: a barbárie adapta-se muito mais ao “sonho americano” (e, naturalmente, ao delírio israelita).

Não sabemos se Bin Laden foi realmente morto; o que fica claro é que o esforço para ressuscitar a todo o custo a Al-Qaeda pretende liquidar os processos de mudança iniciados há quatro meses no mundo árabe. (O TEXTO É DE SANTIAGO ALBA RICO)

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