Nós, da CONCP, queremos que nos nossos países martirizados durante séculos, humilhados, insultados, nunca possa reinar o insulto, e que nunca mais os nossos povos sejam explorados, não só pelos imperialistas, não só pelos europeus, não só pelas pessoas de pele branca, porque não confundimos a exploração ou os factores de exploração com a cor da pele dos homens; não queremos mais a exploração no nosso país, mesmo feita por negros. Lutamos para construir, nos nossos países, em Angola, em Moçambique, na Guiné, nas Ilhas de Cabo Verde, em S. Tomé, uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, onde a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou para a felicidade dos homens. É para isso que lutamos. Se não o conseguirmos, teremos faltado aos nossos deveres, não atingiremos o objectivo da nossa luta”. AMILCAR CABRAL

terça-feira, 13 de março de 2012

AS REVOLUÇÕES ÁRABES, UM ANO DEPOIS

AS VITÓRIAS ELEITORAIS DO ISLÃO POLÍTICO NO EGIPTO E NA TUNÍSIA 




A vitória eleitoral da Irmandade Muçulmana e dos salafistas no Egipto (Janeiro de 2012) não é surpreendente. A degradação originada pela globalização capitalista contemporânea provocou uma inflação prodigiosa de atividades chamadas "informais" que, no Egipto, fornecem os meios de subsistência a mais de metade da população (60% segundo as estatísticas). A Irmandade Muçulmana está bem posicionada para tirar proveito desta degradação e perpetuar a sua reprodução. A sua ideologia simples proporciona legitimidade a esta economia primitiva de mercado/bazar. Os fabulosos meios financeiros disponibilizados pelos governos do Golfo permitem traduzi-la em métodos de acção eficazes: adiantamentos financeiros para a economia informal, acções caritativas de acompanhamento (centros de saúde e outros).
Com estes meios, a Irmandade Muçulmana implanta-se na sociedade real e coloca-a sob dependência. Mas o seu sucesso teria sido difícil, se não tivesse respondido bem aos objetivos dos governos do Golfo, Washington e Israel. Esses três aliados íntimos partilham a mesma preocupação: impedir a recuperação do Egipto. Porque um Egipto forte, erguido, significa o fim da hegemonia tríplice: do Golfo (submissão ao discurso de islamização da sociedade), Estados Unidos (um Egipto comprador e miserável permanece sob seu domínio) e Israel (um Egipto impotente deixa fazer na Palestina).
O aborto planeado da "revolução egípcia" garantirá então a continuidade do sistema, estabelecido desde Sadat, fundado na aliança dos chefes do exército e do islamismo político. Uma revisão da "quota" na partilha dos benefícios dessa parceria em benefício da Irmandade Muçulmana pode ser difícil.


 NA TUNÍSIA


A Assembleia Constituinte resultante das eleições de outubro de 2011 na Tunísia será dominada por um bloco de direita, que reunirá os quadros do partido islâmico Ennahda e muitos quadros reacionários, até recentemente associados ao regime de Ben Ali, sempre nos seus postos e infiltrados nos "novos partidos", com a designação de "bourguibistas". Ambos partilham a mesma adesão incondicional à "economia de mercado", tal como existe, ou seja, um sistema capitalista dependente e subordinado. A França e os Estados Unidos não pedem outra coisa: "mudar algo para que nada mude".
No entanto, duas mudanças estão na ordem do dia. Positiva: a democracia política, mas não social (ou seja, uma "democracia de baixa intensidade"), que tolerará a diversidade de opinião, respeitará mais os "direitos humanos" e porá fim aos horrores policiais do regime anterior. Negativa: a provável regressão dos direitos das mulheres. Por outras palavras, um retorno a um "bourguibismo" multipartidário salpicado de islamismo. O plano das potências ocidentais, com base no poder comprador do bloco reacionário, porá fim a essa transição que se queria "curta" (o que o movimento aceitou sem medir as consequências) não deixando tempo para organizar as lutas sociais, e permitirá a instalação da "legitimidade" exclusiva do bloco reacionário comprador através de eleições "justas". O movimento tunisiano quase perdeu o interesse na política económica do regime deposto, concentrando as suas críticas na "corrupção" do presidente e sua família. Muitos manifestantes, incluindo "de esquerda", não questionaram as orientações fundamentais do modelo de desenvolvimento implementado por Bourguiba e Ben Ali. O resultado era então previsível.
Assim, as mesmas causas produzem, às vezes, os mesmos efeitos. O que pensarão e farão as classes populares no Egipto e na Tunísia, quando virem que continua inexoravelmente a degradação das suas condições sociais, com o cortejo de desemprego e precariedade, provavelmente agravadas pelas degradações suplementares intensificadas pela crise geral da globalização capitalista? É muito cedo para dizer, mas não há que persistir e ignorar que só a rápida consolidação de uma esquerda radical que vá muito além da reivindicação de eleições justas, pode permitir a retomada das lutas por uma mudança digna desse nome. Cabe a essa esquerda radical saber formular uma estratégia para a democratização da sociedade que vá muito além da simples realização de eleições justas, que associe a democratização ao progresso social, o que implica o abandono do modelo de desenvolvimento existente, e que reforce as iniciativas por uma posição internacional independente e francamente anti-imperialista. Não são os monopólios imperialistas e seus servidores internacionais (Banco Mundial, FMI e Organização Mundial do Comércio) que ajudarão os países do Sul a sair do atoleiro: a tarefa será menos difícil orientando-se para os novos interlocutores do Sul.
Nenhuma dessas questões políticas fundamentais parece preocupar os principais actores políticos. Tudo se passa como se o objetivo final da "revolução" fosse conseguir que rapidamente se realizem eleições. Como se a fonte exclusiva de legitimidade do poder residisse nas urnas. Existe, no entanto, uma legitimidade superior: a das lutas. Estas duas legitimidades estão destinadas a enfrentar-se seriamente no futuro.


SERÃO POSSÍVEIS REFORMAS NA ARGÉLIA DIRIGIDAS DO INTERIOR?


Argélia e Egipto têm sido, no mundo árabe, os dois países líderes no primeiro "despertar do Sul", na época de Bandung, do Não-Alinhamento e da implantação vitoriosa da afirmação nacional pós-colonial, associada a autênticas realizações económicas e sociais importantes e progressistas, que auguravam maravilhosas possibilidades no futuro. Mas depois os dois países chegaram a um impasse, para, finalmente, aceitarem o "retorno ao redil" dos estados e das sociedades dominadas pelo imperialismo.
O modelo da Argélia deu sinais claros de uma consistência mais forte, o que explica que tenha resistido melhor à sua degradação interna. Por essa razão, a classe dirigente argelina é heterogênea e está dividida entre os que mantêm aspirações nacionais e os que se juntaram à "compradorização" (às vezes, esses dois componentes conflituantes estão combinados nas mesmas pessoas). No Egipto, pelo contrário, a classe dominante converteu-se integralmente, com Sadat e Mubarak, em burguesia compradora, sem qualquer aspiração nacional.
Duas razões principais explicam esta diferença. A guerra de libertação na Argélia produziu, naturalmente, uma radicalização social e ideológica. Em vez disso no Egipto o nasserismo surge no final do período de expansão do movimento iniciado pela revolução de 1919, que se radicaliza em 1946. O golpe de estado - ambíguo - de 1952 é uma resposta para o beco sem saída em que encontrava o movimento. Além disso, a sociedade argelina sofreu, com a colonização, enormes assaltos destruidores. A nova sociedade argelina, decorrente da reconquista da independência, não tinha nada em comum com os tempos pré-coloniais. Tornou-se uma sociedade plebéia, marcada por uma muito forte aspiração à igualdade.
Esta aspiração não se encontra com a mesma força em qualquer outro lugar no mundo árabe, nem no Magrebe ou Machereque. Ao invés, o Egipto moderno constituiu-se desde o início (de Mohamed Ali) pela sua aristocracia progressivamente transformada em "burguesia aristocrata" (ou "aristocracia capitalista"). Essas diferenças colocam outra, de óbvia importância, sobre o futuro do Islão político. Como indicou Hocine Bela lloufi (Democracia na Argélia: reforma ou revolução?, em vias de publicação) o Islão político argelino (a FIS), que mostrou a sua face horrível, foi derrotado. Isto não significa que o problema esteja finalmente resolvido. Mas a diferença é grande em relação à situação no Egipto, caracterizada por uma sólida convergência entre o poder da burguesia compradora e o islamismo político da Irmandade Muçulmana.
De todas essas diferenças entre os dois países derivam diferentes possibilidades de resposta aos desafios actuais. A Argélia parece-me em melhor posição (ou menos má posição) para responder a estes desafios, pelo menos no curto prazo. Penso que na Argélia ainda existe a possibilidade de reformas económicas, políticas e sociais controladas a partir do interior. Em contraste, no Egipto, o confronto entre o "movimento" e o bloco reacionário "contra-revolucionário" parece tender inexoravelmente a agravar-se.
Argélia e Egipto são dois exemplos paradigmáticos da impotência, até agora, das sociedades envolvidas em enfrentar o desafio. Argélia e Egipto são dois países do mundo árabe candidatos possíveis à "emergência". É evidente a responsabilidade primária das classes dirigentes e dos sistemas de poder atuais no fracasso de conseguir a dita "emergência". Mas a responsabilidade das sociedades, dos intelectuais, dos militantes dos movimentos em luta também deve ser levada a sério.
Podemos esperar um desenvolvimento pacífico e democrático em Marrocos? Duvido, na medida em que o povo marroquino adere ao dogma arcaico que não dissocia a monarquia (de direito divino: "o amir-mouminine") da Nação. Esta é sem dúvida a razão pela qual os marroquinos não entendem a questão sarauí: os nómades orgulhosos do Saara têm outra concepção do Islão, que os proíbe de se ajoelharem ante outro que não seja Alá, mesmo que seja o Rei.

O DRAMA DA SÍRIA

O regime de Bashar al-Assad não é nem mais nem menos do que um estado policial que acompanha a submissão às exigências do "liberalismo" globalizado. A legitimidade da revolta do povo sírio é indiscutível. Mas a destruição da Síria é o objetivo dos três parceiros, que são os Estados Unidos, Israel e Arábia Saudita, que mobilizam para isso a Irmandade Muçulmana e lhe fornecem armas. A sua eventual vitória - com ou sem a intervenção externa - resultará no desmembramento do país, massacre dos alauitas, drusos e cristãos. Mas não importa. O objetivo de Washington e seus aliados não é libertar a Síria do seu ditador, mas destruir o país, como não era para libertar o Iraque de Saddam Hussein, mas para o destruir.
A única solução democrática seria realizar reformas substanciais em benefício das forças populares e democráticas existentes, e que se recusam a se inscrever na Irmandade Muçulmana. Se o regime é incapaz de o compreender, nada impedirá que o drama continue até o fim. É irónico ver que agora o sultão do Qatar e o rei da Arábia Saudita são os campeões da promoção da democracia (noutros países). É difícil que a farsa vá ainda mais longe!

A GEOESTRATÉGIA DO IMPERIALISMO E A QUESTÃO DEMOCRÁTICA


Quis mostrar neste texto que a despolitização tem sido fundamental para a ascensão do islamismo político. Esta despolitização não é, evidentemente, específica do Egipto nasserista. Ela tem sido a prática dominante em todas as experiências nacionais populares do primeiro despertar do Sul, e até mesmo nos socialismos históricos, uma vez terminada a primeira fase de fervor revolucionário. O denominador comum tem sido a supressão da prática democrática (que não reduzo a eleições multi-partidárias), que é o respeito pela diversidade de opiniões e propostas políticas, e sua eventual organização.
A politização exige democracia. E a democracia só existe quando os "adversários" são livres. Em todos os casos, a sua supressão, que resulta na despolitização, é responsável pela posterior desastre. Este assume a forma de anacronismos (religiosos ou outros), ou a adesão ao consumismo e ao falso individualismo, promovido pelos meios de comunicação ocidentais, como foi o caso dos povos da Europa Oriental e da ex-URSS, e como é o caso em outras partes, não só das classes médias (potenciais beneficiárias do desenvolvimento), mas também no seio das classes populares, que, na ausência de qualquer alternativa, também aspiram a beneficiar, mesmo que em escala muito pequena (o que é perfeitamente compreensível e legítimo)
No caso das sociedades muçulmanas, esta despolitização é a forma principal de regresso (aparente) do islamismo. A articulação que associa o poder do Islão político reacionário, a submissão "compradora" e a pauperização pela informalização da economia de bazar não é específica do Egipto. Ela caracteriza a maioria das sociedades árabes e muçulmanas até ao Paquistão e mais além. Esta mesma articulação existe no Irão: o triunfo da economia de bazar tinha sido assinalada desde o início como o principal resultado da "revolução de Khomeini". A mesma articulação poder islâmico / economia de mercado de bazar devastou a Somália, agora apagada do mapa das nações existentes

QUE SE PODE ENTÃO IMAGINAR SE ESTE ISLÃO POLÍTICO ASSUME O PODER NO EGITO OU EM OUTRO LUGAR?


Invadem-nos os discursos tranquilizantes , de uma ingenuidade incrível, sincera ou falsa. Alguns dizem: "Era inevitável, as nossas sociedades estão impregnadas pelo Islão, tentamos ignorá-lo e ele impôs-se." Como se o sucesso do Islão político não se devesse à despolitização e à degradação social que se quer ignorar. "Isto não é tão perigoso, o sucesso é efêmero e o fracasso do poder exercido pelo Islã político levará a que a opinião pública se afaste dele." Como se a Irmandade Muçulmana aderisse ao princípio do respeito dos princípios democráticos! Como em Washington parecem acreditar as "opiniões" feitas pelos meios de comunicação dominantes, e a corte de "intelectuais" árabes, por oportunismo ou falta de lucidez.
Não. O exercício do poder pelo Islão político reacionário está destinado a durar... 50 anos? E entretanto contribuirá para afundar na insignificância do cenário mundial as sociedades que submeterá, enquanto os "outros" continuarão a avançar. No final desta triste "transição", os países envolvidos encontrar-se-ão na parte inferior da escala da classificação mundial.
A questão da politização democrática constitui, no mundo árabe e no resto do mundo, o eixo central do desafio. A nossa época não é de progressos democráticos, mas de regressão. A extrema centralização do capital monopolista permite e exige a submissão total e incondicional do poder político às suas ordens. A ênfase dos poderes presidenciais, aparentemente individualizados ao extremo, mas de fato inteiramente sujeitos à plutocracia financeira, é a forma desta deriva que aniquila o alcance da defunta democracia burguesa (ela mesma reforçada no seu tempo pelas conquistas dos trabalhadores) agora substituída pela farsa democrática.
Nas periferias, os embriões de democracia, quando presentes, associados a regressões sociais ainda mais violentas do que nos centros do sistema, perdem toda a credibilidade.
O retrocesso da democracia é sinónimo de despolitização. Porque a democracia implica a afirmação na cena de cidadãos capazes de formular projetos de sociedade alternativos, não apenas a perspectiva de "alternância" (sem mudanças) através de eleições.
Desaparecido o cidadão sem imaginação criativa, sucede-lhe o indivíduo despolitizado, que é um espectador passivo da cena política, um consumidor modelado pelo sistema, que se julga (erradamente) um indivíduo livre. São tarefas inseparáveis avançar pelos caminhos da democratização das sociedades e da re-politização dos povos.
Mas, por onde começar? O movimento pode ter início a partir de qualquer um destes dois pólos. Nada pode substituir a análise concreta de situações concretas, na Argélia, no Egipto como na Grécia, na China, no Congo, na Bolívia, na França ou na Alemanha.
Na falta de progressos visíveis nesta direção o mundo vai entrar, como de fato já está, numa tempestade caótica associada à implosão do sistema. Então, é de se temer o pior.
(A análise é de Samir Amin, retirada daqui)

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