LEGÍTIMA DEFESA
A diferença entre o euro e o dólar é
a fragilidade do projeto europeu. Atrás do dólar há um Estado: o Estado
americano. Há um Tesouro, que é o Tesouro americano. Há um presidente, que é o
presidente dos EUA, que toma as decisões. E o que há por trás do euro? Um
conglomerado de banqueiros irresponsáveis, mesmo perante seus próprios
governantes, mesmo diante do governo europeu, que não existe. Portanto, não é nada (Samir Amin)
A apologética da política económica
neoliberal rege-se por uma teia de conotações e associações de palavras como
flexibilidade, maleabilidade, desregulamentação, reajustamentos, reformas
estruturais, que tendem a fazer crer que a mensagem neoliberal é, usando as
palavras de Pierre Bourdieu, “uma mensagem universalista de libertação”.
Acomodarmo-nos ou resistirmos a esta espécie de
colonialismo do séc. XXI é a alternativa que nos é oferecida.
Tal como
no colonialismo clássico, a libertação das garras dos exploradores é condição
indispensável para a autodeterminação dos povos. As origens e a erradicação de
um e de outro, radicam no mesmo tronco ideológico o que permite concluir por
uma certa similitude nas formas e no conteúdo. Daí, o carácter de urgência na
busca de alternativas à globalização do neoliberalismo e da farsa democrática
que o suporta.
Nas colónias, o interlocutor válido e institucional do colonizado, o
porta-voz do colono e do regime de opressão é o polícia e o soldado, como
escreve Fannon. Nos territórios sob a tutela do FMI, as colónias do século XXI,
o porta-voz do Fundo Monetário e das instituições aliadas, são governos de
estirpe neoliberal que se apresentam ao eleitorado com um simulacro dum
programa que tem muito pouco a ver com os acordos de “ajuda financeira”, já
subscritos anteriormente, com as tão conhecidas e “democráticas” entidades
financeiras internacionais.
As desigualdades mais gritantes estão
estruturalmente entrincheiradas e simuladas no universo da demagogia. Para o neoliberalismo, qualquer tentativa de justiça social torna-se inócua
por que novas desigualdades fatalmente ressurgirão. “A desigualdade é um
estimulante que faz com que os mais talentosos desejem destacar-se e ascender
ajudando dessa forma o progresso geral da sociedade. Tornar iguais os desiguais
é contraproducente e conduz à estagnação”.
A apologética da austeridade, o fim das ideologias e os contorcionismos epistemológicos são a terapêutica de choque utilizada por grupos blindados ante o retrocesso social que eles próprios provocaram.
Ante o autoritarismo duma clique empenhada em demolir, uma a uma, as expectativas geradas por Abril, é chegada a hora de lutar pela defesa dos direitos e das liberdades dos cidadãos.
Estes novos senhores evocam constantemente a violência, e o risco de haver bloqueios de ruas e avenidas e sucederem práticas típicas de uma insurreição geral, omitindo que há diferentes espécies de violência, com diferentes funções. Há uma violência de agressão e uma violência de legítima defesa. Há a violência dos exploradores e a violência dos espoliados. Como designar uma política
obsessivamente austeritária que classifica o empobrecimento como
o desígnio duma economia competitiva?
É neste território do neoliberalismo
pronto a servir, que habitam a mentira, a demagogia e uma dimensão totalitária
e indecorosa da política. É pois desejável ressignificar as coisas, o mundo e a
sociedade, pugnando pela construção de um modo alternativo ao modelo
neoliberal, numa época em que a distinção entre capitalismo e democracia parece
ter sido esbatida e a liberdade reduzida a uma estratégia de mercado.
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