PENSAR O ATENTADO AO CHARLIE HEBDO
É agora – quando estamos todos em
estado de choque depois da carnificina na sede do Charlie Hebdo – o
momento certo para encontrar coragem para pensar. Agora, e não
depois, quando as coisas acalmarem, como tentam nos convencer os proponentes da
sabedoria barata: o difícil é justamente combinar o calor do momento com o ato
de pensar. Pensar quando o rescaldo dos eventos esfriar não gera uma
verdade mais balanceada, na verdade normaliza a situação de forma a nos
permitir evitar as verdades mais afiadas.
O verdadeiro gesto Charlie
Hebdo seria ter publicado na capa do semanário uma grande caricatura a
gozar de forma brutal e grosseira, com cartoons de Netanyahu e Abbas, Lavrov e
Cameron, e outros casais a abraçar-se e beijar-se intensamente
enquanto afiam facas por trás de suas costas.
Devemos, é claro, condenar sem
ambiguidade os homicídios como um ataque contra a essência da nossa liberdade,
e condená-los sem nenhuma ressalva oculta (no estilo de “Charlie Hebdo estava
todavia a provocar e humilhar os muçulmanos demasiado”).
Nada disso é suficiente – temos
que pensar adiante. E o pensar de que falo não tem absolutamente nada
a ver com uma relativização fácil do crime (“quem somos nós ocidentais, que
cometemos massacres terríveis no terceiro mundo, para condenar atos como
estes?”). E tem menos ainda a ver com o medo patológico de tantos
esquerdistas liberais ocidentais de sentirem-se culpados pela
islamofobia.
Em contraste com os verdadeiros
fundamentalistas, os pseudo-fundamentalistas terroristas são profundamente
incomodados, intrigados, fascinados pela vida pecaminosa dos não-crentes.
Tem-se a sensação de que, ao lutar contra o outro pecador, eles estão
lutando contra a sua própria tentação.
O problema com fundamentalistas não
é que os consideramos inferiores a nós, mas sim que eles próprios
secretamente se consideram inferiores. É por isso que as nossas reafirmações
politicamente corretas condescendentes de que não sentimos superioridade alguma
perante eles só os tornam mais furiosos e alimenta o seu ressentimento
O que Max Horkheimer havia dito
sobre o Fascismo e o capitalismo já nos anos 1930 – que aqueles que não
estiverem dispostos a falar criticamente sobre o capitalismo devem se calar
sobre o fascismo – deve ser aplicada também ao fundamentalismo de hoje:
quem não estiver disposto a falar criticamente sobre a democracia liberal
deve também se calar sobre o fundamentalismo religioso. (excertos dum artigo de Slavoj Zizek que pode ser lida na íntegra, aqui)
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