A LIBERDADE E O COMPROMISSO
É impossível escrever-se ou falar-se de cultura portuguesa no século XX sem referir Óscar Lopes. A dimensão deste homem corresponde ao entusiasmo com o qual consagrou a vida a unir sem apertar demasiado. Quero dizer: a estabelecer associações culturais entre paradigmas estéticos aparentemente dissemelhantes. O discurso e o reportório serviram de suporte a uma organização intelectual invulgar. Óscar Lopes não é, apenas, co-autor, com outro grande vulto, António José Saraiva, da História da Literatura Portuguesa. Assinou centenas e centenas de artigos; publicou dezenas de estudos sobre criadores, os mais diversos; ensaiou a matemática na análise de estruturas verbais; prefaciou livros, estimulou a lucidez crítica, foi um professor excepcional. "Um Senhor de Matosinhos", como no belíssimo poema, em sua homenagem, lhe dedicou Vasco Graça Moura. Óscar Lopes completa 90 anos em 2 de Outubro. Cumpriu o fado de viver num tempo de opróbrio: foi preso, impedido de dar aulas, o nome suprimido na imprensa. Este homem adverso ao dogma e permanentemente aberto à interrogação sempre defendeu que a cultura é o grande espaço da responsabilidade e do compromisso. E defendeu esses conceitos com uma obstinação apenas explicável pela sua têmpera de mármore num corpo só na aparência de porcelana. Merecia tudo o que a pátria lhe devia. A pátria nunca foi pródiga para os seus maiores. Modesto, recatado, discreto e grandioso, Óscar Lopes interpelou os mistérios das ciências humanas, procurando dilucidar os aspectos menos claros da antropologia cultural, estrutural e social. Evitou os clamores do marquetingue e as tubas efémeras do "mediático". Recolhido na casa da Rua de Belos Ares, ergueu uma obra monumental e ímpar. A Cooperativa Árvore e o editor Cruz Santos decidiram homenagear (de 10 a 14 de Outubro) o grande intelectual e a coerência inexpugnável do cidadão. Pensaram editar um volume com os textos de Óscar Lopes sobre o Porto. Pediram o apoio da câmara. Como as inclinações de Rui Rio para a cultura deslizam entre o nada e a indiferença, até agora nenhuma resposta. Esclareça-se que a edição importaria, quando muito, em três mil euros. Também o Ministério da Cultura, cuja titular vai falar na sessão inaugural, se alheou de subvencionar a iniciativa.Não se constrói um Estado moderno sem relações culturais abertas. A liberdade de identidade implica a existência de uma cultura política de que, notoriamente, este Executivo não é detentor, assim como o não é de uma política cultural. O caso Óscar Lopes é outro dos muitos exemplos. Perseguido, encarcerado, no salazarismo; ignorado, hostilizado, menosprezado na "democracia". Menos por aqueles que o admiram.
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