A DEGENERESCÊNCIA DO ANC
Pode ser verdade que o peixe começa a apodrecer pela cabeça, mas é essencial compreender que a degeneração do ANC não resulta apenas do aumento do poder de uma elite predadora dentro do partido. Houve um tempo em que se acreditou que o poder era um projecto político colectivo que iria transformar a sociedade de baixo para cima. Agora percebe-se, em todos os níveis do partido, que ele é um meio para a incorporação pessoal numa determinada minoria que se aproveita das crescentes desigualdades da sociedade. De certo modo, este processo, mesmo que conduzindo a uma desracialização da hegemonia, não deixa muito espaço para a esperança numa sociedade melhor, se a isso limitarmos as nossas aspirações.
O ANC abandonou a linguagem da justiça social em favor da ilusão de uma linguagem pós-política de “distribuição”. Essa linguagem considera que o Estado só está obrigado a satisfazer as necessidades mais básicas da sobrevivência e que se trata de uma simples questão de eficiência técnica. O problema com a linguagem da distribuição é que a distribuição é as mais das vezes, em si mesma, uma estratégia de contenção das aspirações populares, mais do que uma estratégia para se atingir a prosperidade humana universal. Atirar com as pessoas para ”oportunidades de habitação” em guetos periféricos onde pouco mais há a esperar do que alguma assistência para as crianças ou a possibilidade de um emprego precário, contribuindo para evitar que as pessoas se manifestem na rua, promove o desenvolvimento no sentido mais perverso do termo.
Um partido que diz, e que tem de continuar a dizer, que aquilo que faz é para o povo mas que, de fato, se tornou um instrumento de progresso pessoal graças às cumplicidades de dominação, terá inevitavelmente de soçobrar na paranóia e no autoritarismo, ao tentar resolver a quadratura do círculo, pretendendo, para si próprio e para toda a gente, que o enriquecimento privado é de certo modo o verdadeiro fruto da libertação nacional.
Se há alguma possibilidade de propor uma visão política alternativa, é bem possível que tal venha a incumbir aos sindicatos, aos movimentos do povo pobre e às igrejas que já se tornaram a consciência da nossa sociedade.
Excerto do artigo de Richard Pithouse, que pode ser lido na íntegra aqui
NOTA: Richard Pithouse é professor de política na Universidade de Rhodes. Este artigo foi publicado originalmente em inglês por The South African Civil Society Information Service.
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