Nós, da CONCP, queremos que nos nossos países martirizados durante séculos, humilhados, insultados, nunca possa reinar o insulto, e que nunca mais os nossos povos sejam explorados, não só pelos imperialistas, não só pelos europeus, não só pelas pessoas de pele branca, porque não confundimos a exploração ou os factores de exploração com a cor da pele dos homens; não queremos mais a exploração no nosso país, mesmo feita por negros. Lutamos para construir, nos nossos países, em Angola, em Moçambique, na Guiné, nas Ilhas de Cabo Verde, em S. Tomé, uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, onde a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou para a felicidade dos homens. É para isso que lutamos. Se não o conseguirmos, teremos faltado aos nossos deveres, não atingiremos o objectivo da nossa luta”. AMILCAR CABRAL

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A PROPÓSITO DOS CRÍTICOS EM MOÇAMBIQUE

 criticos de moçambique
Figuras proeminentes do nacionalismo e da revolução no país - criticaram e criticam a governação do país, o que deixa indispostos certos círculos e seus intelectuais orgânicos. (Carlos Serra)
Recentemente fui surpreendido por uma espécie de guerra ideológica que tem como cenário os blogues do costume, em Moçambique!
O pretexto, o pano de fundo, são as declarações produzidas por Jorge Rebelo e outros “críticos”nomeadamente Marcelino dos Santos e Graça Machel.
Adulterando, reinventando a linguagem e os conceitos num mero exercício apologético do neoliberalismo e das democracias ocidentais (leia-se burguesas), investe-se na diabolização de cidadãos que pensam diferente e que reclamam o direito à indignação.
Tenho a ideia que a grande maioria dos trabalhadores moçambicanos retém uma boa imagem do primeiro presidente do País. E os outros?
Recordando Fannon: “A burguesia colonialista tinha metido, a golpes de pilão, na cabeça do colonizado a ideia de uma sociedade de indivíduos em que cada qual se encerra na sua subjectividade e que as essências continuam a ser eternas, apesar de todos os erros imputáveis aos homens. As essências ocidentais, bem entendido…”
Numa crítica velada aos sistemas socialistas evoca-se a veleidade igualitarista, em contraponto com a democracia política e económica que é oferecida pelos regimes “modernaços” (leia-se ao serviço de poucos)!
Desde o primeiro momento que os regimes progressistas foram (continuam a sê-lo) acossados, cercados e objecto de uma conspiração à escala global. Em termos históricos, a sua existência é efémera quando comparada com a longa noite capitalista. Depois, não se pode responsabilizar uma boa receita quando o preparado se queimou no forno. Não se confunda a árvore com a floresta.
Noutros territórios da ideologia, inúmeros intelectuais comunistas criticaram severamente determinadas politicas. Ninguém os ouviu, ninguém os conhece, nem é relevante falar deles. O melhor é apropriarmo-nos de algumas das suas ideias e desencadearmos campanhas infames contra os regimes socialistas
A este propósito ocorre-me recordar que o capitalismo tem séculos de existência! já se esgotou há muito como modelo de desenvolvimento ideal. É ao nível das relações de produção e da distribuição da riqueza que radicam as verdadeiras razões da sua ineficácia e agonia permanentemente adiada.
As suas crises, cíclicas e/ou estruturais são endémicas, cumulativas, crónicas e permanentes; e suas manifestações são o desemprego estrutural, a destruição ambiental e as guerras permanentes. (István Mészáros)
O instinto de posse (ou instinto de propriedade privada) é o antípoda da solidariedade e da justiça social. São mais que muitos os que almejam engrossar o exército dos detentores de capital, dos privilegiados, dos donos do Poder.
Aos que se contentam com algumas migalhas é-lhes reservada a tarefa de divulgação e defesa dos ideais do capitalismo puro e duro!
No entanto, as realidades económicas, as desigualdades e a enorme diferença dos modos de vida nunca conseguem encobrir as realidades humanas.
O empobrecimento de quem trabalha cresce e, contrariamente ao que os sectores mais retrógrados defendem, o desenvolvimento económico não pode cavalgar perpetuamente à custa dos sacrifícios e da exploração dos mesmos de sempre.
O ímpeto revolucionário e socializante da FRELIMO, pertence ao passado. Completamente descaracterizada e esvaziada de valores de progresso e de justiça social, encontra-se na defensiva. O chamado socialismo democrático é uma área opaca e híbrida e que se traduz numa fuga para a frente: são eufemismos, são álibis e recursos linguísticos habilmente manipulados para justificarem a sua adesão a projectos e politicas neoliberais e penalizadoras da grande maioria dos cidadãos.
Graças a uma espécie de linguística política, nunca se chama violência à acção policial!
A delapidação do erário público, os crimes económicos, a arrogância e o abuso do Poder, as desigualdades sociais, a fome e o desemprego são uma forma
infame de violência.
Mas chama-se violência, com toda a facilidade, à acção dos populares, estudantes, e operários que reivindicam os seus legítimos direitos, se defendem da polícia e exigem o respeito pelos direitos humanos. A moralização da vida politica em Moçambique, que constitui um dos objectivos dos moçambicanos progressistas pode muito bem ser o pretexto, a rampa de lançamento, para que este sector possa emergir e contribuir para tornar possível o impossível, aprendendo a ler os sinais que a sociedade emite.
Finalizo, recordando Mészáros: “a posição das ideologias conflituantes é decididamente assimétrica. As ideologias críticas, que procuram negar a ordem estabelecida, não podem sequer mistificar seus adversários pela simples razão de não terem nada a oferecer - nem mesmo subornos ou recompensas pela aceitação – àqueles já bem estabelecidos em suas posições de comando, conscientes de seus interesses imediato palpáveis. Portanto o poder de mistificação sobre o adversário é privilégio exclusivo da ideologia dominante”
IMAGEM DAQUI

7 comentários:

Julio Mutisse disse...

Ilustre,

Esteve no meu blog prometeu este texto e cumpriu. Os meus parabens.

O que esta la nas "Ideias Subversivas" eh uma parte pequena de um texto maior publicado no Magazine Independente da semana passada no qual elogio o exercicio democratico no pais e no seio do Partido que permite aquelas formas de abordagem.

Do meu texto, de certeza, nao encontrou a reinvencao de linguagem "num mero exercício apologético do neoliberalismo e das democracias ocidentais" nos termos em que procura sugerir aqui.

Encontrara, isso sim, a sustentacao de que a governacao de Samora (um homem que admiro ou nao tivesse crescido "cercado" pela imagem paternal sustentada, afirmada e reafirmada na continuadores para alem de testemunhar o imenso carinho que ele tinha por nos ainda que incapaz de perceber e/ou analisar as linhas governativas em que viviamos) teve o seu contexto que eh diverso do actual.

Acho que vamos concordar nisso meu ilustre amigo. Sem afirmar a minha afinidade para com o sistema socialista dos primeiros anos ou mesmo pelo mais liberal que vivemos agora nao sera dificil perceber que os tempos mudaram.

Fruto disso, sem embargo das crenças igualitaristas de alguns, o país avançou por um irreversível processo de liberalização económica. Este processo, sendo contrário ao modelo que o Departamento do Trabalho Ideológico propugnava (com as suas bichas, com as suas graves carências alimentares, com as roupas uniformizadas que a crise nos obrigava a usar) libertou a iniciativa empreendedora das pessoas.

Ironicamente é essa abertura política que felizmente produz também ricos que permitiu o surgimento de jornais privados/independentes, o surgimento dos blogs, o surgimento do Parlamento Juvenil cujos líderes não se sustentariam nos tempos em que o Camarada Rebelo detinha poder. Foi essa abertura que permitiu a abertura inclusive deste espaco que parece abominar qualquer tentativa de contextualizacao confundindo-a com qualquer outra coisa.

Nestes termos me parece falta de honestidade intelectual e política quando se comparam os níveis de criminalidade e de corrupção entre tempos do socialismo e os tempos actuais. Nos tempos do socialismo todos vivíamos mal, com as bichas, com as carências de todo o tipo. A sociedade era fechada, com a actuação omnipresente dos Chefes de Quarteirão, dos milicianos e de todo o género de autoridade. A atmosfera de vigilância e denúncias mútuas, que o Departamento do Trabalho Ideológico incentivava submergia qualquer iniciativa, quer positiva, quer negativa. A abertura económica e o consequente aumento da competição entre os indivíduos têm, necessariamente, que trazer novos desafios nestas matérias. Ouso dizer que, mesmo Samora, se fosse vivo nos dias de hoje, teria que enfrentar maior criminalidade e corrupção, fenómenos que, a meu ver, independem da personalidade e perfil de Samora tendo, isso sim, a ver com o relaxamento da pressão colectivista da sociedade e mais incentivos à iniciativa e promoção do individuo. Tem a ver com a eliminação dos controles que um dia tivemos com os chefes das 10 casas, chefes de quarteirão, milicianos e outros agentes omnipresentes no modelo que o Departamento do Trabalho Ideológico, competentemente chefiado pelo Camarada Jorge Rebelo propugnava com denodo. Já diz meu amigo PC Mapengo num texto lindo intitulado Manifesto Político “Saudades sim mas ninguém quer voltar porque não podemos esquecer o tempo que passou... eram bons tempos aqueles que ninguém quer mais voltar.”

O meu texto visava isto. Esta eh a minha crenca. O pais mudou e os desafios nao podem, de forma nenhuma, ser os mesmos.

Estaremos a dizer que está tudo bem? Que somos todos honestos? Que está tudo bem? Que somos todos competentes? Não, Deus me livre. Haverão critérios para avaliar e, quem nomeia, em função desses critérios, saberá exonera

AGRY disse...

Foi a leitura da sua postagem e dos comentários, no seu conjunto, aliado ao que tive oportunidade de ler noutros blogues que me aguçaram a vontade de produzir um texto como este “A Propósito dos Críticos em Moçambique”.
Não há nada de pessoal na minha postagem. Pretendi talvez demarcar-me ideologicamente do que parece ser o pensamento dominante, em Moçambique.
A reinvenção da linguagem e dos conceitos tem a ver como expressões como esta, que ainda agora usou neste seu comentário: “Sem afirmar a minha afinidade para com o sistema socialista dos primeiros anos ou mesmo pelo mais liberal que vivemos agora não será difícil perceber que os tempos mudaram”…
Liberalismo, neoliberalismo e capitalismo, são farinha do mesmo saco! Não existe socialismo mais ou menos liberal, meu caro Muthisse. Socialismo também não é sinónimo de ditadura.
Desde o primeiro momento que os regimes progressistas foram (continuam a sê-lo) acossados, cercados e objecto de uma conspiração à escala global. Em termos históricos, a sua existência é efémera quando comparada com a longa noite capitalista.
Veja-se o caso de Moçambique: a guerra civil, o acordo de paz e as pressões internacionais, conduziram um ex-partido de inspiração marxista, remeter para a gaveta da história os princípios e valores caracterizadores dum partido verdadeiramente popular.
Os erros, os exageros cometidos após o parto de independência foi algo de inevitável. Que atire a primeira pedra quem os não cometeu numa fase historicamente tão conturbada como essa.
Os direitos, liberdades e garantias, no quadro das “democracias capitalistas” têm como objecto a defesa das minorias, o combate à pobreza, a defesa do Estado social e de uma justa distribuição do rendimento nacional? Ou ao invés, o Estado é um instrumento de dominação de classe?
Sobre Samora Machel não pode haver meio termo. Ou se ama, ou se odeia.
Sobretudo após a sua morte, os detractores surgiram e multiplicaram-se como cogumelos! Para estes, as grandes opções que acompanharam a fase inicial da pós-independência, foi um período negro caracterizado por decisões que hipotecaram o desenvolvimento e a credibilidade de Moçambique. Aliado a isto existe a forte doutrinação anticomunista iniciada muitas décadas antes da independência.
Já vou longe demais, não lhe parece?
Para terminar, permita-me recordar Kwame Nkrumah.
Segundo ele, durante a época colonial, apareceu, pretendendo servir de elo de ligação entre o poder colonial e as massas, uma “intelligentsia” de formação ideológica ocidental.
Mesmo que envolvida em movimentos nacionalistas, o seu objectivo nunca apontou para transformações radicais. A sua intenção não foi, nunca foi, mudar o “sistema”, mas controlá-lo.
Depois da independência, a intelligentsia perdeu o unanimismo. Podiam, então, distingui-se três grupos bem demarcados:
Em primeiro lugar, os aliados da nova classe privilegiada local, isto é, a burguesia burocrática, politica e comercial, abertamente aliada do imperialismo e do neocolonialismo.
Seguia-se, então o grupo dos partidários de um desenvolvimento “não capitalista” e de uma “economia mista”.
Para terminar, os intelectuais revolucionários, constituem o terceiro grupo que apareceu no seio da intelligentsia.
Enfim, tudo isto na perspectiva de que não pode haver democracia autêntica sem progresso social

Julio Mutisse disse...

Meu caro,

Neste debate, eu ainda nao enunciei (repito) a minha afinidade para com o modelo dos primeiros 10 anos de independencia (que tinha muitas boas coisas, que o contexto as propiciava) nem com o actual mais liberal (com as suas coisas boas que, tambem, o contexto as propicia).

Fui tentando, a minha maneira, dar o contexto em que decorreu a governacao de Samora, por um lado, e dos que o sucederam por outro, para que, honestamente, nao nos coloquemos no ridiculo de fazer comparacoes sem olhar aos contextos concretos em que certas coisas se deram.

Agora, do meu ponto de vista, afirmar o meu apego pelos ideiais esquerdistas dos primeiros tempos e os ideiais liberalistas dos tempos modernos eh outra coisa.

A verdade eh que, desde 1987 (por ai) que embarcamos neste barco que virou as tendencias dos anos anteriores. Esta mudanca tambem cria ricos e um espaco onde todos, com esforco, podemos nos dar bem. Basta que haja iniciativa.

O resto sao crencas nossas.

Julio Mutisse disse...

Relembro um debate interessante que tivemos aqui. Um debate diferente deste sobre os "criticos" mas um tantinho ou quanto revelador de algumas conviccoes.

Julio Mutisse disse...

http://cartasamodaantiga.blogspot.com/2009/10/auxilio-incompreendido.html

AGRY disse...

Quando a União Soviética implodiu e a Rússia refugiou-se nos braços do capitalismo, proclamou-se a teroria do Fim da História.
Entretanto, um pouco por todo o planeta resiste-se e perpectiva-se que as revoluções do futuro surgirão como alternativa ao projecto da globalização neo-liberal.
Como referi anteriormente, não estamos perante uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa, como as vividas no passado, mas uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do capital.Não há terapêutica capaz de atenuar os malefícios das suas contradições permanentes e, também, não é possível humanizar a exploração dos povos e a pilhagem dos recursos e o aperfeiçoamento ético das instituições capitalistas.
Há quem defenda, que revoluções como a francesa de 1789 e a Rússia de Outubro de 1917 não poderão repetir-se e prevêem que as grandes revoluções do futuro próximo são geradas pelas crises estruturais, cada vez mais devastadoras, do próprio capitalismo.
As ideologias críticas e antisistémicas que defendem sociedades mais justas não podem ser confundidas com crenças mais ou menos obscurantistas.
Lutar contra o sistema do Capital está intimamente ligado à sobrevivência da humanidade., permitindo-se, assim, descodificar os sinais que a sociedade emite.
Em oposição à aceitação submissa das condições impostas aos povos pelas regras pseudo-democráticas das ditaduras burguesas (leia-se fantoches), é indispensável revitalizar os movimentos sociais e politicos que estão na primeira linha da defesa dos mais desprotegidos.

Anónimo disse...

Caro Amigo Agry
Faz muito tempo que estive lá pelas bandas de Moçambique. Foi em novembro de 1975, depois de um período em Lisboa, quando procurei saber mais sobre aquela parte da África banhada pelo Índico. Foi bem interessante, pois, dentre as personalidades mais faladas, houve uma que me chamou a atenção – o na época Gal. Otelo Saraiva. Segundo alguns, era uma fraude política, embora fosse um audacioso aventureiro. Para outros, era um líder de grande envergadura e muito importante para a Revolução dos Cravos. Conversei com majores e capitães, como Antunes, Vítor Alves, e só obtinha informações parciais. Um dia, após conversar com Cunhal, que me explicou a dificuldade do MFA em ter uma linha de análise sólida sobre o que acontecera na África portuguesa, embora fossem reais defensores da independência das ex-colônias, como muitos tinham sido soldados daquela guerra, culpa e dor tornavam difíceis quaisquer tipo de análise, passei a aceitar e entender aqueles problemas.
Então, com informações truncadas ou deformadas pela emoção, cheguei a Maputo disposto a aprender em termos práticos. Foram 40 dias bem intensos. Dias divididos entre a conversa com dirigentes da Frelimo, inclusive Samora Machel, e pessoas comuns, o que incluía os portugueses que por lá estavam. Senti que Samora Machel tinha razão quando me disse que a Revolução ainda seria algo mais demorado, pois, o acordo de Lusaka apenas garantia o início da descolonização e a finalização da luta libertadora.
Mesmo ao conversar com portugueses e descendentes que nutriam alguma simpatia pela Independência do país, notava que seria muito complicado transformá-lo em um país socialista, ora por seus problemas internos, ora por força das pressões feitas pela Rodésia, África do Sul e os países imperialistas, que detinham o controle de toda a economia continental.
Mais tarde, já na Europa, tive a absoluta certeza de que tanto Moçambique, quanto Angola, ainda iriam sofrer muito pela ousadia da libertação colonial. Hoje, após, ler os textos que publicas e alguns periódicos, é fácil entender que os 16 anos de guerra civil-invasão deixaram muitas seqüelas e fortaleceram o que era para estar frágil, que é o capitalismo, tanto que em alguns jornais só faltam escrever Lourenço Marques ao invés de Maputo.
Aqui do Brasil, fica só a minha solidariedade e a lembrança de ter estado em um país em que a esperança e a vontade de ser livre estimulavam a imaginação e a crença num mundo novo. Ainda creio nisto.

Um grande abraço
Pedro