Nós, da CONCP, queremos que nos nossos países martirizados durante séculos, humilhados, insultados, nunca possa reinar o insulto, e que nunca mais os nossos povos sejam explorados, não só pelos imperialistas, não só pelos europeus, não só pelas pessoas de pele branca, porque não confundimos a exploração ou os factores de exploração com a cor da pele dos homens; não queremos mais a exploração no nosso país, mesmo feita por negros. Lutamos para construir, nos nossos países, em Angola, em Moçambique, na Guiné, nas Ilhas de Cabo Verde, em S. Tomé, uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, onde a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou para a felicidade dos homens. É para isso que lutamos. Se não o conseguirmos, teremos faltado aos nossos deveres, não atingiremos o objectivo da nossa luta”. AMILCAR CABRAL

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

À PROCURA DE RESPOSTAS

Temos vivido sob o império da fé ou da fezada, idênticos modos de servidão, porque pertencentes ao mesmo tipo de superstições. Uma infernal máquina ideológica chacina as nossas meninges, insistindo em quatro pontos fundamentais (dizem eles) para o êxito, a glória, o bem-estar e a fortuna. Ei-los: competência, competitividade, rigor, estabilidade. Estes conceitos, transformados em princípios salvíficos, pretendem, tão-só, reduzir a questão social ao contexto da globalização.
O que subjaz a esta ideologia não tem sido estudada, analisada e discutida. Exactamente porque a ignorância grassa, examinar o problema é maçador, e torna-se mais fácil fundar as nossas acções quotidianas na graça pessoal das ideias fáceis.
Repare o meu Dilecto que nunca se fala em cidadania, quando se fala naquelas estranhas quatro componentes do discurso oficial. E a tese da cidadania é fulcral para se entender esta pendência. Os perigos ameaçam-nos por todos os lados. E uma democracia que só conhece uma forma de eleição, a dos consumidores dos diversos bens e benefícios, está irremediavelmente condenada.
Ainda há dias, Manuel Carvalho da Silva, dirigente da CGTP, dizia que a “precariedade é um limite à cidadania plena”. Ora bem: a precariedade resulta das quatro componentes referidas, e projecta eliminar a politização dos cidadãos. Além do que cria e alimenta o medo. Um trabalhador a “título precário” não reivindica, não protesta, não exige. Abdica dos seus direitos e deveres de cidadão. Ficou muito clara a posição do patronato, no último programa de Fátima Campos Ferreira, “Prós e Contras”. Foram quase ultrajantes as declarações produzidas por um deles, cujo nome omito, por exigências de higiene moral – mas a quem as pessoas de rectidão não deixam de marcar com os ferros da indignidade.
Trinta e três anos decorridos depois da festa de Abril, a regressão dos direitos de todos nós chega a ser assustadora. O projecto corporizou-se na década de 80 do século XX. O trio Reagen-Thatcher-Cavaco correspondeu a um projecto de domínio económico, escalonado em várias etapas. Como escreveu Eric Hobsbawm: “Teria sido mais adequado que o capitalismo não se deleitasse ante o cadáver do comunismo soviético e se ocupasse mais dos seus próprios defeitos. Parece-me que, a longo prazo, a democracia e o mercado vão enfrentá-los”. Porém, qualquer daqueles três políticos não dispunha suficientemente de cultura social capaz de proceder ao exame dessas contradições. Ainda não há muito tempo, o grande escritor norte-americano Gore Vidal declarou que “Reagen abriu a caixa de Pândora enquanto Bush a escancarou”. As conclusões estão à vista.
Portugal está na situação em que está por múltiplas razões. Mas não será despiciendo dizer que uma delas, porventura a mais forte, consiste em que a classe dirigente não possui nem projecto, nem doutrina nem convicções. O assunto Mugabe é deplorável. Tal como o caso do Dalai Lama. Com visível embaraço, o querido ministro “socialista” dos Negócios Estrangeiros escarmenta o presidente do Zimbabwe, servindo-se de uma linguagem diplomática leve como um passarinho chamado hipopótamo. Quando ao chefe religioso do Tibete, as principais autoridades portuguesas não o recebem. Num dos casos, não se deseja melindrar o primeiro-ministro inglês; no outro, receia-se beliscar a China.
A cidadania não é promovida: é espezinhada. Depois, segundo consta, pedem que nos motivemos, que sejamos alegres, que estejamos muito jubilosos com essa vergonha chamada, inapropriadamente, o Tratado de Lisboa. Sócrates está felicíssimo. Trata-nos com os pés, mente descaradamente, atira-nos para o desemprego, açula os mandantes para que nos despeçam (viram-se os reflexos e ouviram-se os ecos nos “Prós e Contras”); e já nem sequer dissimula a sobranceria. Entretanto, há quem goste de ser sovado; e esses dos sovados (e, ocasionalmente, cevados) perseguem, insultam, injuriam e caluniam aqueles que se não cumpliciam com a infâmia.

Volto a Carvalho da Silva, a propósito de uma entrevista concedida à revista “Focus”, e na qual o conhecido sindicalista, referindo-se à tese de doutoramento, agora editada em livro: “Sempre tivemos, nas últimas décadas, a ideia de que é possível harmonizar no progresso, e é evidente que é. Mas porque se pode explorar mais as pessoas num determinado local do mundo, querem-nos impor essa harmonização no retrocesso. Há uma espécie de espiral regressiva que faz com que haja sempre um mercado de trabalho que funcione com condições mais degradadas. Há 65 mil empresas que dominam dois terços da economia mundial e que fazem esta pressão negativa, não porque estejam preocupadas com os trabalhadores nos países em desenvolvimento, mas porque podem explorá-los”.

As instituições mundiais, fundadas depois da II Grande Guerra, não só deixaram de se actualizar, perante as aceleradas mudanças geopolíticas, como se tornaram praticamente inúteis. A desadaptação atingiu, inexoravelmente, os sindicatos. A contenda contra esta nova expressão de colonialismo mundial assume aspectos da luta de David contra Golias.

Sabe-se, hoje, que os meios de produção do comunismo soviético não conseguiram rivalizar com os do capitalismo, mas que, como os do capitalismo, constituíram uma forma de poder arbitrário. Há resposta para enfrentar este novo sistema económico, diferente do velho capitalismo de mercado, como este o era do mercantilismo? A interrogação aí fica.

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